Disputas fiscais bilionárias desafiam o sistema tributário brasileiro

Disputas fiscais bilionárias desafiam o sistema tributário brasileiro

O sistema tributário brasileiro enfrenta um cenário crítico: o volume de disputas fiscais atinge a marca de R$ 5,69 trilhões — o equivalente a 74,8% do PIB de 2020. Os dados, do Observatório do Contencioso Tributário do Insper (divulgado em 2022), refletem a complexidade das normas fiscais e a conturbada relação entre o fisco e os contribuintes no país.

O tema foi discutido em 16 de junho, durante reunião do Conselho de Altos Estudos em Finanças e Tributação (Caeft), na Associação Comercial de São Paulo (ACSP). Especialistas reforçaram que, embora a reforma tributária seja essencial, ela não resolverá sozinha os entraves do atual sistema.

Reforma tributária exige medidas complementares

Para Roberta Bordini Prado Landi, diretora jurídica da Ambev, a simplificação prevista na reforma deve vir acompanhada de outras estratégias. Entre elas, o fortalecimento de mecanismos como a transação tributária, a arbitragem e a melhoria na comunicação entre o fisco e os contribuintes.

“A reforma, por si só, não solucionará o contencioso. É imprescindível ampliar a segurança jurídica e desenvolver formas alternativas de resolução de conflitos para garantir mais previsibilidade aos negócios”, afirmou.

Brasil lidera ranking de complexidade na América do Sul

Estudos conduzidos por universidades alemãs colocam o Brasil entre os países com maior complexidade tributária no mundo — na América do Sul, ocupa a primeira posição. O levantamento avaliou aspectos como clareza normativa, tempo de tramitação de leis, dificuldade de interpretação e custos para cumprir obrigações fiscais.

Segundo Bordini, o Brasil apresenta uma relação entre contencioso e PIB muito superior à média da OCDE (0,28%) e da América Latina (0,19%).

Contraste com o modelo norte-americano

Álvaro Pereira, sócio da área de tributos da PwC Brasil, comparou a realidade brasileira com a dos Estados Unidos, onde, apesar da complexidade da legislação do Imposto de Renda, a relação entre fisco e contribuintes é mais colaborativa. Por lá, os mecanismos de consulta e mediação são respeitados e funcionam de forma eficaz, o que reduz significativamente a judicialização.

Bordini acrescentou que essa diferença se reflete na estrutura das empresas: nos EUA, o departamento fiscal da Ambev conta com apenas oito colaboradores, enquanto no Brasil são 200 profissionais — número que supera até o da equipe de inovação da empresa no país.

Cresce o contencioso entre grandes empresas

Dados apresentados durante o encontro revelam que, entre 2020 e 2024, o contencioso tributário das 30 maiores empresas brasileiras aumentou. A Petrobras, embora lidere a lista, conseguiu reduzir significativamente seus litígios por meio de programas de transação tributária, quitando cerca de R$ 45 bilhões em débitos.

Ainda assim, a maior parte das empresas viu seus litígios crescerem, impulsionados pela atualização das dívidas pela taxa Selic, que eleva rapidamente os valores em disputa.

Insegurança jurídica penaliza o setor privado

Levantamentos mostram que, em grandes empresas, a maioria das ações judiciais é de natureza tributária. Na Ambev, por exemplo, 97,97% das disputas judiciais são fiscais. A inconstância e a falta de clareza das normas geram insegurança, impactando negativamente a competitividade do ambiente de negócios no Brasil.

Estatais paulistas também enfrentam litígios elevados

O cenário se repete nas estatais do estado de São Paulo, cujo passivo contingente totalizava R$ 32,5 bilhões em 2024. Esse volume de disputas afeta tanto o setor público quanto o privado, dificultando a recuperação de créditos tributários por parte do governo.

Dívida ativa permanece elevada

A dívida ativa da União ultrapassa R$ 3 trilhões, sendo que cerca de um terço desse valor é considerado de difícil recuperação. Em São Paulo, a dívida ativa estadual chega a R$ 500 bilhões, dos quais R$ 412,5 bilhões estão relacionados ao ICMS.

No âmbito municipal, os autos de infração em São Paulo somavam R$ 7 bilhões em 2024. Antes da pandemia, esse número chegou a R$ 14 bilhões, embora não haja explicações claras para a redução registrada.

Especialistas propõem caminhos para reduzir os litígios

Para reverter esse quadro, especialistas recomendam ampliar o uso de soluções alternativas de resolução de conflitos — como transações tributárias e arbitragem — e fortalecer os canais de consulta com a Receita. Também destacam a necessidade de simplificar normas e garantir maior segurança jurídica, criando um ambiente mais estável e previsível para empresas e investidores.

A experiência de países como os Estados Unidos demonstra que uma relação mais equilibrada entre Estado e contribuinte é fundamental para reduzir litígios e estimular o crescimento econômico.